A psicologia por trás das más decisões
Na Odisséia de Homero, Ulisses, rei da ilha de Ítaca, na volta para casa após a conquista de Tróia sabia que ia navegar próximo a Ilha de Capri onde moravam belas e sedutoras sereias. Sabendo do encanto da canção dessas criaturas místicas e como qualquer homem que ouvisse a música não resistiria e perderia o controle e a direção do barco em direção às pedras onde todos morreriam. Ulisses teve que pensar em algo para manter seus marinheiros e a si mesmo em segurança.A saída de Ulisses foi colocar cera nos ouvidos de sua tripulação, mas curioso para saber da beleza do canto das sereias, ele pediu aos marinheiros que o amarrassem ao mastro e que o ignorassem mesmo se ele suplicasse para soltá-lo das cordas.
Ulisses foi assim o único homem a ouvir a canção das sereias e sobreviver ao encanto da ilha de Capri.
Se você já esteve em uma roda de conversa com algum economista, psicólogo ou um estudioso de autocontrole, muito provavelmente já ouviu a história de Ulisses. O fato é que cada um de nós enfrenta diferentes conflitos internos entre o que queremos fazer e o que devemos fazer. Embora Ulisses soubesse que não era nem de longe uma boa decisão ir até a ilha das sereias, pois isso significaria sua própria morte, mesmo assim quando ouviu a canção quis desesperadamente seguir a música.
Por que nós mesmo sabendo que algumas escolhas não são as melhores para a gente, continuamos repetindo aquele mesmo feito? Pegando aquele mesmo caminho que gera um resultado negativo e já conhecido? Esses erros sistemáticos são chamados de vieses, de fato os vieses podem nos levar a tomar decisões equivocadas por apresentarem uma resposta irracional do nosso comportamento.
Ulisses teve que fazer alguma coisa para combater seus vieses, sua história ilustra a utilização (de forma extrema) de ferramentas para enfrentar problemas de autocontrole. Ao usar uma estratégia de comprometimento, Ulisses limitou seu conjunto de escolhas para evitar sua própria morte. Muitas vezes sem ao menos perceber nós usamos algumas estratégias assim, como colocar barras de chocolate na prateleira mais alta do armário ou mesmo optar no banco por aplicações automáticas que nos fazem investir todos os meses.
Existem outros tantos vieses que impactam nas nossas escolhas, vamos aqui focar em questões financeiras, mas claro que isso pode ser de forma geral aplicado nas nossas vidas.
Outra coisa importante é que entender as nossas respostas pode nos levar passos adiante, porém, não é garantia de que vamos a partir disso somente fazer escolhas mais assertivas, infelizmente.
O economista Herbert Simon ganhou um Nobel em 1978 pelo seu trabalho sobre racionalidade limitada. Simon não se referia a tomada de decisão dos indivíduos como irracional, porém dizia que tínhamos pouco tempo disponível para a coleta de informações e isso limitava a otimização das nossas escolhas, ele apresentava um componente emocional, até então ignorado pelos economistas tradicionais.
A Teoria das Decisões de Simon debate e questiona o processo de tomada de decisão de uma maneira oposta a do Homo Economicus, objeto principal de estudo da Economia Neoclássica. O estudo de Simon mudou a percepção das pessoas em relação ao estudo de tomada de decisão por explicar de forma mais clara e real o comportamento humano.
Mas ainda irei mostrar para vocês como alguns vieses impactam nas nossas escolhas financeiras e também no dia a dia e lembrando somente que qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Excesso de confiança
O excesso de confiança é um desses vieses que faz com que as pessoas tomem decisões algumas vezes equivocadas.
Sabe aquele aviso legal que acompanha as lâminas de Fundos de Investimentos onde diz que rentabilidade passada não deve ser garantia de rentabilidade futura? Muitas pessoas avaliam as performances anteriores dos investimentos e criam uma atitude otimista, acabam assim fazendo novos aportes sem uma avaliação prévia sobre mercado ou mesmo perfil do investidor.
Outro ponto é sobre as negociações excessivas que podem ser geradas pelo excesso de confiança. Isso se dá por conta que gestores e investidores com esse viés possuem uma tendência a estarem convictos de que conhecem a direção que o mercado está caminhando após cada nova informação.
Os dados mostram que carteiras de ações ou mesmo fundos ativamente administrados têm, na média, desempenho inferior ao mercado.
Em boa parte esse desempenho mais baixo se deve aos custos associados a compra e venda de ativos financeiros. Essas despesas podem representar uma quantia significativa e impactar drasticamente no seu investimento no final das contas.
No final é difícil saber se gera um melhor resultado seguir a intuição ou mesmo fazer análises altamente refinadas na tentativa de prever resultados, o que a história mostra é que a paciência é uma virtude admirada entre os investidores de sucesso.
Aversão à perda
No mercado financeiro, os riscos das oscilações podem fazer com que os investidores tenham alguns receios a respeito das suas escolhas, mesmo que no longo prazo o produto financeiro traga um retorno interessante.
Isso explica a tamanha preferência dos brasileiros pela poupança, segundo pesquisa da ANBIMA com apoio do Datafolha 70% das pessoas que afirmam fazer algum tipo de investimento, optam pela poupança. É grande a fatia da população que decide pelo “conforto” ao invés de uma melhor rentabilidade de outros produtos de investimento com o mesmo nível de risco.
No entanto, segundo as ciências comportamentais nós não somos totalmente avessos aos riscos e sim as perdas. Se alguém te oferecesse um investimento com um alto risco, porém uma chance de 40% de retorno ao ano, você investiria? É bem provável que a resposta seja sim.
Muitas das escolhas que enfrentamos na vida são mistas, há o risco de perda e a chance de ganho. O conceito de aversão à perda se refere ao fato das pessoas reagirem de forma diferente ao vivenciarem situações nas quais existem chances de perder ou de ganhar, mesmo que os valores sejam simétricos.
No mercado acionário isso ocorre quando os investidores realizam suas estratégias também. Segundo tal viés a satisfação em se obter determinado ganho é menor do que o sofrimento da perda quando falamos de valores equivalente.
Resumindo, a gente fica muito feliz quando tem bons resultados, mas muito mais tristes quando tem resultados negativos. O grande problema está em justamente deixar com que essas emoções nos pressione a tomar iniciativas todo o tempo, em cada um desses cenários.
Medo do arrependimento
Outro ponto forte que pode ser percebido no comportamento do investidor e que está também relacionado ao conceito de aversão à perda é o medo do arrependimento. Esse medo faz com que os investidores terminem por tomar decisões muitas vezes precipitadas em cenários de ganho e, assim, assumindo maiores riscos em cenários de perdas.
Dessa forma, quando o investidor se depara com um prejuízo na compra de uma ação, por exemplo, para evitar o arrependimento da perda acaba preferindo continuar com esse ativo mesmo em queda.
O fato é que assumir o erro de uma compra equivocada traz bastante desconforto, logo, o investidor evita ao máximo tornar realidade seu prejuízo e acaba, dessa forma, optando por não vender seus papéis quando estes estão com o preço inferior ao de compra, mesmo tendo noção que as chances de recuperação são pequenas, ele prefere seguir na aplicação.
De maneira inversa, quando o ativo está em uma posição de ganho, o investidor busca a satisfação imediata do lucro, vendendo seus títulos e muitas vezes deixando de ter um retorno ainda maior com esse investimento.
É quase como um impulso pela venda quando há a valorização, a ideia é garantir algum ganho certo quando o preço do papel está acima do valor de compra.
Comportamento de manada
O mercado está cheio de livros e histórias de pessoas que começaram com pouco dinheiro na bolsa e fizeram fortuna em alguns poucos anos. O fato é que por mais que essas histórias sejam verdadeiras, não é regra que elas acontecerão com você, geralmente esses “heróis do mercado financeiro” são somente e infelizmente a exceção.
Saiba que muitos profissionais extremamente competentes e dedicados passam seus dias estudando e analisando o mercado, tentando encontrar padrões e entender seu comportamento. Não é uma tarefa nenhum pouco fácil e por isso fórmulas mágicas devem gerar desconfiança.
Mesmo assim, é possível ver que muitas pessoas acabam sendo influenciadas por notícias ou por essas promessas de alta rentabilidade em pouco tempo, gerando um certo tipo de movimento de manada.
O comportamento de manada diz que quando o mercado está em alta, por exemplo, é criada uma euforia e todos querem entrar, isso faz com que o ativo se encareça, as compras, assim, ficam mais caras para o investidor.
Um grande problema é que o investidor iniciante é influenciado por performance e, por isso, se preocupa com uma única variável na hora de fazer suas escolhas: a rentabilidade. Quem trabalha com produtos financeiros geralmente já ouviu a pergunta “o que está rendendo mais?”
Porém, comprar ativos com preços mais caros é algo perigoso para o investidor iniciante e sem conhecimento do mercado, imagina quando sua ação cair de valor, será que você terá estômago para aguentar o impacto de uma perda?
Aliás, algo que todo investidor iniciante deve entender é a relação positiva entre risco e retorno. Quanto maior o meu retorno esperado, maior o potencial de risco do meu ativo. Se você preza pela segurança ou é avesso à perda, fique longe de investimentos voláteis.
É fundamental que cada um entenda o quanto está disposto a enfrentar de riscos e tolera de perda. O que funcionou para aquele investidor que ficou rico com ações ou até mesmo com o seu vizinho, pode não funcionar para você, por isso é importante ter muita atenção e entender que um plano de investimento é algo extremamente pessoal.
Entendida a psicologia por trás de alguns dos seus erros, é necessário que você aprenda a confrontá-los e identifique estratégias mais inteligentes para o seu futuro. Não tenha medo de começar, aliás, o medo apesar de ser uma resposta emocional que serve para te proteger de situações onde são identificadas ameaças, ele pode aqui te impedir de prosperar, principalmente financeiramente.
Estude muito, trace planos e identifique seus objetivos. Lembre-se de manter a constância e, de novo, muito estudo, isso fará toda a diferença e você será imensamente grato no futuro por isso.
Ulisses criou uma estratégia extrema para se livrar de um problema bastante grave e até hoje é lembrado pelo seu feito. Tenho certeza que com autoconhecimento, foco e estratégia suas sereias também não serão grandes perigos para você.